João Pessoa
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Internos da Fundac descobrem, por meio da arte e da educação, que é possível recomeçar

terça-feira, 23 de agosto de 2011 - 09:42 - Fotos:  Dayana de Melo/Secom-PB

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Internos do CEA apreendem a arte da grafitagem Foto: Marcos Russo/ A União

É em um pequeno atelier que as jovens internas na Casa Educativa colorem telas carregadas não somente de cores, mas também de sensibilidade e vontade de fazer do futuro um lugar tão cheio de possibilidades quanto a arte que elas estão descobrindo.

Durante uma visita à unidade, o olhar curioso, nosso e das adolescentes, vai aos poucos interagindo com uma conversa cheia de histórias e sonhos. Diariamente, essas meninas são julgadas por uma sociedade que parece não acreditar que recomeçar é possível, se isentando da responsabilidade que tem sobre a trajetória e o cotidiano dessas jovens.

No meio de uma pintura, uma delas fala: “Eu não sei o que é um abraço, nunca recebi um carinho da minha mãe e nem conheço o meu pai. Não achei que um dia pudesse fazer algo bonito como isso que tô fazendo agora”. E uma palavra é recorrente no vocabulário de quase todas: oportunidade.

Logo a monitora da aula de artes plásticas, Lenina Carneiro, explica que muitas dessas garotas estão em fase de abstinência e com a coordenação motora debilitada, o que, segundo a socioeducadora, “torna o trabalho das adolescentes ainda mais especial e desafiador”. A partir de então as meninas começam a falar sobre drogas, família, os programas sensacionalistas de tevê, a vontade de reconquistar a liberdade e o medo de voltar a errar.

Algumas não participam da conversa, mas observam tudo, sorriem, olham com desconfiança e continuam a pintar os quadros. As falas vão surgindo, nada é imposto, o gravador passa pela mão das internas, assim como a máquina fotográfica com imagens que não mostram o rosto delas, e mesmo assim despertam a atenção das meninas.

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Aulas de pintura na Casa Educativa Foto: A União

A Casa Educativa atende a adolescentes do sexo feminino em cumprimento de medidas socioeducativas de internação, sendo uma das nove unidades que integram a Fundação Desenvolvimento da Criança e do Adolescente (Fundac), órgão responsável pelas políticas públicas de ressocialização de crianças e adolescentes em conflito com a lei no estado da Paraíba.

De acordo com a presidente da Fundac, Cassandra Figueiredo, o trabalho de ressocialização significa possibilitar ao adolescente, que por algum motivo cometeu um ato infracional, a oportunidade de superação. “Não é uma tarefa fácil, mas também não é impossível, visto que o ser humano, felizmente, tem a capacidade de melhorar, crescer e evoluir enquanto pessoa. Eu acredito nisso e acredito na solidariedade e sensibilidade das pessoas, principalmente porque vejo e escuto jovens que querem mudar de vida e só pedem oportunidade fora dos muros e dos preconceitos”, disse.

Uma questão social – De acordo com o último levantamento da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, concluído em novembro de 2010, existem no Brasil quase 18 mil adolescentes cumprindo medidas de privação e restrição de liberdade. Desse total, cerca de 5% são do sexo feminino. Na Paraíba esse número é de 285 garotos e pouco mais de dez internas.

Para a psicóloga Solange Gualberto, o menor percentual de meninas envolvidas com atos infracionais decorre de uma questão essencialmente cultural. “O menino tem mais contato com a rua e com os riscos e influência que ela oferece. É por isso que os fatores de vulnerabilidade desses adolescentes não se distribuem de forma homogênea no espaço geográfico”, ressaltou.

Além da questão do gênero, os últimos dados obtidos pela Fundac apontam que desse total de meninos e meninas 9,4% não possuem renda familiar, 40,17% são de famílias com faixa salarial inferior a um salário mínimo, 46,58% variam entre um e dois salários, e pouco mais de 3% vêm de famílias que possuem renda superior a dois salários mínimos.

Essas estatísticas mostram que grande parte dos jovens em conflito com a lei vive em comunidades carentes, sem infraestrutura, educação, saúde e segurança. No entanto, os dados da Fundac também apontam que quando as ações são executadas de forma integrada, os resultados podem ser positivos, como é o caso dos dois adolescentes internos no Centro Educacional do Adolescente (CEA) e no Centro Educacional do Jovem (CEJ), que após terem dedicado o primeiro trimestre de 2011 a um programa de estudos disciplinado passaram no vestibular e irão cursar dois dos mais importantes e concorridos cursos superiores do país, que são Direito e Ciências da Computação.

Ações integradas e mais oportunidades para os internos

No início de 2011 foi iniciado um planejamento de atividades, cursos e oficinas voltadas para as práticas de ressocialização e atenção aos adolescentes em conflito com a lei no estado da Paraíba. Essas ações estão sendo aos poucos executadas por meio de parcerias entre órgãos dos governos federal, estadual e municipal.

A mais recente parceria faz parte de um acordo entre o Governo do Estado da Paraíba e Prefeitura Municipal de João pessoa (PMJP), através da Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope), que está realizando uma oficina de teatro para os internos do CEA.

A prefeitura da Capital também incluiu os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas na programação da “IV Semana Municipal da Juventude”, realizada entre os dias cinco e 13 de agosto, oferecendo cursos de dança de rua, percussão, grafitagem e capoeira para os internos das unidades de João Pessoa e o mais importante, inserindo esses jovens na política de juventude do município.

No CEJ e CEA da capital são oferecidas ainda oficinas contínuas de marcenaria, mosaico, material de limpeza, informática e artes. Na Casa Educativa, além das aulas de pintura em artes visuais, as internas estão fazendo cursos de reciclagem. O Lar do garoto, em Campina Grande, oferece cursos de mosaico. E a unidade de Semiliberdade tem se encarregado de encaminhar os jovens para programas federais como o ProJovem Urbano e a Padaria Escola Nosso Pão, unidade da própria Fundac.

Já no CEA de Souza as ações estão sendo executadas em parceria com os estudantes do curso de direito da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG); com o Corpo de Bombeiros, através de aulas teóricas e práticas de primeiros socorros; e também o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) que atualmente está oferecendo o curso de pedreiro para os internos.

Paraíba inova na implantação do Sipia Sinase

As políticas públicas de ressocialização direcionadas aos adolescentes em conflito com a lei devem seguir os princípios que norteiam o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). O principal objetivo deste programa é reunir ações para estruturar, descentralizar e qualificar o atendimento socioeducativo em todo Brasil.

Além da construção de novos espaços para internação dos adolescentes e do fortalecimento de práticas educacionais, culturais e profissionalizantes, a Paraíba se destaca como um dos primeiros estados da Federação a vir implantando uma plataforma web de acompanhamento de medidas socioducativas denominada Sistema de Informação para Infância e Adolescência (Sipia) no módulo do Sinase, permitindo a criação de uma rede digital de monitoramento do fluxo de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei.

A implantação do Sipia Sinase está sendo realizada nas unidades desde março de 2011 com o objetivo de gerar e organizar dados e também construir uma base para a formulação de políticas públicas para este setor.

Segundo a presidente da Fundação, além dessas ações, a Fundac está construindo o Projeto Político Pedagógico e traçando uma série de planos operacionais junto às secretarias de educação e saúde.  “Como as dificuldades são muitas e de longo tempo, estabelecemos metas prioritárias as quais destacamos a colocação dos recursos de contrapartidas para a construção de um centro socioeducativo em João Pessoa, Reforma e ampliação da Casa Educativa Feminina e do Abrigo Provisório, este último em campina Grande”, concluiu Cassandra.